A impressão inicial de quem vê o preço de uma refeição no premiado restaurante Tuju, em São Paulo, pode ser uma ilusão sob o ponto de vista de negócios.
Com um menu degustação que custa R$ 1.450 por pessoa (e que pode chegar a quase R$ 3.500 com a harmonização de vinhos), há quem pense que o chef e proprietário Ivan Ralston está nadando em dinheiro - o que ele diz que seria um erro.
O Tuju, que tem duas estrelas do Guia Michelin e é considerado o 70º melhor restaurante do mundo, segundo a revista Restaurant, está sempre cheio, mas, segundo ele, é preciso desmistificar a percepção de que restaurantes assim são altamente lucrativos.
“Restaurantes de alta gastronomia podem faturar muito, mas gastam uma barbaridade também”, disse Ralston em entrevista à Bloomberg Línea.
A entrevista com Ralston faz parte da série “Mesa de Negócios” da Bloomberg Línea, que conta histórias em que a gastronomia e o empreendedorismo se entrelaçam de forma destacada no mundo dos negócios no Brasil.
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Criada em 2014, a casa fechou suas portas em 2020, durante a pandemia, e foi reinaugurada em setembro de 2024 no Jardim Paulistano. Desde então, o Tuju vive uma fase de prêmios e filas para reservas que é resultado de uma decisão estratégica.
Ao mudar de endereço e reposicionar a operação, o restaurante passou a trabalhar exclusivamente com menu degustação, sem serviço à la carte, atendendo a apenas nove mesas por noite (cerca de 30 pessoas).
A estrutura limitada não é um efeito colateral mas parte central do modelo de negócio que prioriza atendimento de alto padrão, comida da gastronomia mais refinada do mundo e preços que refletem os custos e a exclusividade oferecida ali.
O Tuju é operado como uma empresa familiar, mas com governança bem definida. Hoje, Ralston divide o tempo entre criação e gestão. “Hoje eu diria que 50% eu estou na cozinha e 50% eu estou gerindo”, disse.
A sua esposa, Katherina Cordás, atua como CEO da operação, enquanto ele cuida diretamente das finanças. “Ela é a presidente da empresa, e eu cuido das contas, como um CFO.”
A familiaridade com números antecede o projeto. Ralston vem de uma família ligada ao setor de alimentação e teve experiência no grupo Ráscal, em que participou de conselhos e processos de tomada de decisão. “Eu já sabia as metas que tinham que bater, quanto poderia gastar com cada coisa em cima do faturamento”, afirmou.
O investimento total para montar a operação atual do Tuju ficou em torno de R$ 3 milhões, segundo o chef, considerando estrutura e equipamentos herdados da fase anterior. Como é comum no setor, a maturação levou tempo. “O restaurante demorou alguns anos para ser rentável, mas isso é muito comum nesse meio”, disse.
Ainda assim, o histórico financeiro do Tuju se destaca. “Desde que abrimos, nunca tivemos um mês que fechou no vermelho”, afirmou.
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A disciplina financeira é central em um negócio de custos elevados e margens comprimidas. Ralston explicou que a precificação segue parâmetros rígidos. O custo de mercadoria vendida precisa ficar abaixo de 35%, e os markups variam conforme o produto. Bebidas, por exemplo, operam com margens menores, disse.
Mesmo com esse controle, a estrutura de custos segue pesada. “O custo mais alto no restaurante sempre vai ser a matéria-prima, e o tributário também”, afirmou.
A operação do Tuju é deliberadamente enxuta. O restaurante realiza seis serviços por semana, com jantares de terça a sábado e almoço aos sábados, atendendo cerca de 30 pessoas por serviço. Ao todo, são aproximadamente 180 clientes por semana, o que também reduz o alcance do faturamento total. “Estamos sempre lotados, 100% de ocupação o ano inteiro”, disse Ralston.
O perfil do público reflete a maturidade do mercado local. Cerca de 80% dos clientes são da própria capital paulista, com pouca gente de fora. “Somos muito de São Paulo”, afirmou. Estrangeiros representam cerca de 10% da clientela, enquanto outros 10% vêm de outros estados.
O reconhecimento acumulado ao longo da trajetória ajudou a acelerar a demanda.
O Tuju conquistou sua primeira estrela Michelin ainda em sua primeira versão, em 2015. A segunda veio em 2018, e o restaurante passou também a figurar em rankings nacionais e internacionais ao longo dos anos. Em 2025, no novo endereço, manteve as duas estrelas e recebeu também a estrela verde de sustentabilidade.
Para Ralston, no entanto, premiações não podem ser o objetivo central do negócio. “Não trabalhamos buscando essas coisas”, disse. Ainda assim, ele admite que o impacto no negócio é direto, com aumento de demanda e espaço para cobrança de tickets mais elevados. “Quando saiu a estrela Michelin, a procura subiu muito”, afirmou.
Esse aumento de demanda cria efeitos naturais sobre a operação. “Se eu tenho uma lista de espera de seis meses, isso faz com que eu possa cobrar um pouco mais caro”, explicou. Para ele, trata-se de uma lógica básica de oferta e demanda, desde que o preço acompanhe o nível de entrega. “Você não pode cobrar mais caro do que o produto que você entrega.”
Mais do que atrair novos clientes, Ralston vê a recorrência como uma métrica central de sucesso. “Temos clientes que vêm aqui a cada duas semanas”, disse. Na visão dele, restaurantes muito dependentes de público novo têm um problema estrutural. “Se 90% dos clientes vêm só uma vez, tem alguma coisa errada.”
Esse modelo impõe limites claros ao crescimento, mas o chef não vê sentido em aplicar métricas tradicionais de escala a um restaurante de alta gastronomia. “Para restaurante de fine dining eu não vejo muito sentido em falar de Ebitda, pois se trata de um negócio pouco escalável”, afirmou.
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Crescer, para ele, precisa adquirir um novo significado. “Nem sempre crescer é faturar mais”, disse. A prioridade, segundo Ralston, é melhorar continuamente a experiência, do produto ao serviço, sem ampliar a operação além do que a estrutura comporta.
Parte dessa estratégia está fora do salão. O Tuju mantém um centro interno de pesquisa dedicado ao estudo de ingredientes, sazonalidade e território, que embasa a construção dos menus e amplia a complexidade da operação. Essa estrutura ajuda a explicar por que, mesmo com casa cheia, o negócio opera com margens controladas e foco de longo prazo.
A decisão de não ampliar dias ou serviços também passa por escolhas pessoais. Ralston e a esposa têm três filhos, e a presença constante dos sócios é parte essencial do funcionamento do restaurante. “Esse é o tipo de restaurante que exige que nós estejamos aqui todos os dias”, afirmou.
Apesar de reconhecer o cenário desafiador, Ralston explicou que a casa consolidou um modelo de fine dining financeiramente sustentável em um mercado que, até poucos anos atrás, raramente fechava a conta no azul.
Na avaliação dele, o cenário mudou de forma significativa na última década. “Há 10, 15 anos atrás esse mercado de fine dining no Brasil ainda era muito difícil de rentabilizar. Quando a gente abriu, nossa expectativa era bem mais baixa do que acabou se revelando”, disse.
Apesar da sua avaliação de que o setor de alta gastronomia se desenvolveu recentemente no país, o chef diz ver o Brasil em um momento positivo. “O Brasil hoje, junto com o México, é o melhor polo gastronômico da América Latina”, disse. Na avaliação dele, o mercado brasileiro é mais maduro do que o de outros países da região e tem potencial para assumir um papel de maior protagonismo nos próximos anos.
Para o Tuju, esse futuro passa menos por expansão e mais por consistência. Em um setor marcado por alta rotatividade de casas e investidores dispostos a absorver prejuízos temporários, manter uma operação rentável, com público recorrente e estrutura financeiramente equilibrada se tornou o principal indicador de sucesso, resumiu Ralston.


